Linguagem Simples: um brevíssimo estudo de caso
O primeiro texto do Medium tem sido um dilema: sobre o que escrever? Depois de muita pressão e certa dose de ansiedade, decidi ser suave e pragmática. Recentemente finalizei o curso Primeiros passos para uso de Linguagem Simples da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e trarei aqui a aplicação alguns conceitos do que aprendi.
Linguagem Simples é uma técnica de comunicação que tem como objetivo tornar textos e documentos mais simples de serem lidos e compreendidos. Assim o leitor passa a ser o centro do processo de escrita e se beneficia disso localizando informações com mais facilidade em um texto e, consequentemente, agindo mais rapidamente a partir delas.
Além disso, a Linguagem Simples é, ainda, considerada uma causa social, pois cada cidadão tem o direito de compreender o que está lendo. Sobretudo em um mundo, cada vez mais, digitalizado e permeado por textos, em que direitos e ações básicas são expressos dessa forma. Partindo dessa premissa, a Linguagem Simples é considera um direito civil.
Essa iniciativa não teve origem aqui no Brasil. O termo Linguagem Simples é uma tradução de Plain Language e surgiu no Reino Unido e nos Estados Unidos, nos idos de 1940. Aqui no Brasil, o percurso é mais recente, e um dos grandes nomes da Linguagem Simples é Heloísa Fischer, docente do curso que fiz.
Segundo o Center for Plain Language, temos cinco passos gerais para a redação em Linguagem Simples:
- Identificar e descrever os objetivos da audiência;
- Estruturar o conteúdo de modo que ele guie o leitor;
- Escrever o conteúdo em Linguagem Simples;
- Usar o design da informação para que ajudem os leitores na visualização e compreensão do conteúdo; e
- Trabalhar com os grupos de usuários-alvo para testar o design e o conteúdo.
A partir desses passos, Heloísa Fischer delimitou vinte diretrizes para a redação em Linguagem Simples. Dessas, ela apresentou sete no curso.
Empatia — É a principal das diretrizes. Um redator empático, que tem o leitor no foco da escrita, tenderá a produzir textos claros, objetivos e compreensíveis.
Hierarquia — A informação mais importante deve vir primeiro. Esta diretriz me fez lembrar os estudos de Linguística Cognitiva. Para se redigir pensando na hierarquia as informações, vale usar a técnica da pirâmide invertida.
Palavra Conhecida — Usar, preferencialmente, palavras familiares ao público-alvo, ou seja, palavras do dia a dia. Afinal, o lema é ajudar o leitor, sempre!
Palavra Concreta — Lembra dos substantivos concretos? Aqueles que nomeiam objetos, pessoas e lugares? Esses são preferíveis aos abstratos e às nominalizações.
Frase Curta — Gostei demais dessa diretriz. Sempre lutei com meus alunos (eu era professora de Redação para o Ensino Médio) para que fizessem frases curtas, e nada. Aqui Fischer recomenda frases de, no máximo, 25 palavras (entre 20 e 25).
Frase em Ordem Direta — Outro ponto de batalha com os antigos alunos. Escreva as frases na ordem sintática canônica do português: sujeito, verbo e complementos. E qual era a ordem mais usada? Advérbio (ou oração adverbial deslocada) e o resto. Um exemplo? Quando o texto está escrito de forma clara (adverbial), todos ganham (oração principal).
Diagnóstico — Por fim, vale fazer um diagnóstico no texto, a boa revisão, e verificar se está tudo nos conformes.
Estudo de caso: um comunicado de elevador
Curso concluído, passei a olhar diferente para os textos do dia a dia, como comunicados de condomínio, páginas de internet, manuais de instrução e similares. Em meio à observação, identifiquei um, presente no elevador de um Centro Médico, que nos mostra muito sobre a necessidade do uso da Linguagem Simples no dia a dia. Vamos a ele.
Vamos analisar alguns pontos sobre este texto.
- Quem lê esse tipo de texto?
Pessoas que estão no elevador, por um curtíssimo período de tempo, dos mais variados níveis de formação e que desempenham diversas funções profissionais. A informação interessa a todos, ser empático para escrever comunicados desse tipo é muito importante.
2. Qual é a informação principal?
No dia 05/12/2020 (sábado), às 12h, será realizada limpeza e desinfecção da caixa d’água desse condomínio.
Observação — A informação principal é a última que aparece no parágrafo do comunicado.
3. Que informação aparece primeiro?
Vimos que a informação mais importante é a que deve(ria) aparecer primeiro, certo?! Em nosso comunicado, segundo essa lógica, a informação principal é quem comunica, ou seja, NOME, CNPJ e ENDEREÇO da administradora do condomínio. Em seguida, ainda antes da informação sobre a limpeza da caixa d’água, vemos a quem se dirige a mensagem: aos condôminos.
Ou seja, a pessoa que vai ler a informação corre o risco de perder o interesse na leitura sem chegar à parte importante. As chances de essa comunicação falhar são altas.
4. A informação é relevante?
Depois de ler o comunicado algumas vezes, fiquei pensando: no fim, o que estava querendo ser comunicado? Acho que esse ponto não consta no texto.
Quando se faz a limpeza na caixa d’água — e nem vamos entrar aqui na questão de o termo “desinfecção” ser conhecido ou não — , é costume cortar a água do edifício. Creio que este era o grande ponto do comunicado, alertar a quem trabalha no Centro Médico que, naquele sábado, a água seria cortada a partir das 12h. Isso, creio eu, seria um grande problema!
Contudo, será que pessoas menos experientes em assuntos domésticos/de condomínio estariam atentas ao detalhe da falta de água? Ou, simplesmente, pessoas preocupadas, que leram o comunicado com pressa se atentaram a tal fato? Será que a comunicação cumpriu seu papel?
5. Proposta de reescrita do Comunicado
O texto foi escrito, todo, com uma só frase, composta por 50 palavras (considerei os numerais como palavras). Você se lembra de que a recomendação é que a frase tenha entre 20 e 25 palavras, não é?! Então, essa tem o dobro.
Depois de considerar todas as questões que elenquei aqui, pensei na seguinte proposta de comunicado.
Tentei deixar as informações mais importantes do comunicado e preservar alguns dados da empresa que administra o condomínio. Fato é que algumas comunicações tidas como oficiais têm formatos estabelecidos, como o comunicado, mas vale considerarmos se a forma deve se sobrepor à eficiência comunicativa.
Eu estou convencida de que, no mundo da escrita, temos espaço para todo o tipo de linguagem. Como escritores, redatores ou usuários da língua, cabe-nos bom senso e empatia. Se escrevemos para a academia e queremos usar vocabulário rebuscado e sintaxe complexa, ótimo. Se estamos no campo da literatura e nossa linguagem é figurada, aberta a múltipla interpretações, bom também. O importante é nossa audiência, nosso leitor compreender nossa mensagem e aderir ao que escrevemos.
Contudo, se queremos informar o máximo de pessoas por meio do texto, principalmente o escrito, a Linguagem Simples me parece um caminho seguro. Para que ajamos por meio da linguagem, não se pode ter dúvida, hesitação ou incompreensão. Caso o contrário, perde-se tempo, dinheiro e/ou a vida.
Se você também se interessa por Linguagem Simples, além do curso que fiz, a Enap oferece mais um, o Linguagem simples aproxima o governo das pessoas. Como usar? Vale conferir! Os cursos são gratuitos, com certificado ao final.