Linguagem Simples: um brevíssimo estudo de caso

Priscilla Santos Motta
6 min readDec 17, 2020

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O primeiro texto do Medium tem sido um dilema: sobre o que escrever? Depois de muita pressão e certa dose de ansiedade, decidi ser suave e pragmática. Recentemente finalizei o curso Primeiros passos para uso de Linguagem Simples da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e trarei aqui a aplicação alguns conceitos do que aprendi.

Linguagem Simples é uma técnica de comunicação que tem como objetivo tornar textos e documentos mais simples de serem lidos e compreendidos. Assim o leitor passa a ser o centro do processo de escrita e se beneficia disso localizando informações com mais facilidade em um texto e, consequentemente, agindo mais rapidamente a partir delas.

Além disso, a Linguagem Simples é, ainda, considerada uma causa social, pois cada cidadão tem o direito de compreender o que está lendo. Sobretudo em um mundo, cada vez mais, digitalizado e permeado por textos, em que direitos e ações básicas são expressos dessa forma. Partindo dessa premissa, a Linguagem Simples é considera um direito civil.

Essa iniciativa não teve origem aqui no Brasil. O termo Linguagem Simples é uma tradução de Plain Language e surgiu no Reino Unido e nos Estados Unidos, nos idos de 1940. Aqui no Brasil, o percurso é mais recente, e um dos grandes nomes da Linguagem Simples é Heloísa Fischer, docente do curso que fiz.

Segundo o Center for Plain Language, temos cinco passos gerais para a redação em Linguagem Simples:

  1. Identificar e descrever os objetivos da audiência;
  2. Estruturar o conteúdo de modo que ele guie o leitor;
  3. Escrever o conteúdo em Linguagem Simples;
  4. Usar o design da informação para que ajudem os leitores na visualização e compreensão do conteúdo; e
  5. Trabalhar com os grupos de usuários-alvo para testar o design e o conteúdo.

A partir desses passos, Heloísa Fischer delimitou vinte diretrizes para a redação em Linguagem Simples. Dessas, ela apresentou sete no curso.

Empatia — É a principal das diretrizes. Um redator empático, que tem o leitor no foco da escrita, tenderá a produzir textos claros, objetivos e compreensíveis.

Hierarquia — A informação mais importante deve vir primeiro. Esta diretriz me fez lembrar os estudos de Linguística Cognitiva. Para se redigir pensando na hierarquia as informações, vale usar a técnica da pirâmide invertida.

Pirâmide Invertida — Jornalismo. Disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Piramide_invertida.svg

Palavra Conhecida — Usar, preferencialmente, palavras familiares ao público-alvo, ou seja, palavras do dia a dia. Afinal, o lema é ajudar o leitor, sempre!

Palavra Concreta — Lembra dos substantivos concretos? Aqueles que nomeiam objetos, pessoas e lugares? Esses são preferíveis aos abstratos e às nominalizações.

Frase Curta — Gostei demais dessa diretriz. Sempre lutei com meus alunos (eu era professora de Redação para o Ensino Médio) para que fizessem frases curtas, e nada. Aqui Fischer recomenda frases de, no máximo, 25 palavras (entre 20 e 25).

Frase em Ordem Direta — Outro ponto de batalha com os antigos alunos. Escreva as frases na ordem sintática canônica do português: sujeito, verbo e complementos. E qual era a ordem mais usada? Advérbio (ou oração adverbial deslocada) e o resto. Um exemplo? Quando o texto está escrito de forma clara (adverbial), todos ganham (oração principal).

Diagnóstico — Por fim, vale fazer um diagnóstico no texto, a boa revisão, e verificar se está tudo nos conformes.

Estudo de caso: um comunicado de elevador

Curso concluído, passei a olhar diferente para os textos do dia a dia, como comunicados de condomínio, páginas de internet, manuais de instrução e similares. Em meio à observação, identifiquei um, presente no elevador de um Centro Médico, que nos mostra muito sobre a necessidade do uso da Linguagem Simples no dia a dia. Vamos a ele.

Comunicado sobre limpeza de caixa d’água em condomínio

Vamos analisar alguns pontos sobre este texto.

  1. Quem lê esse tipo de texto?

Pessoas que estão no elevador, por um curtíssimo período de tempo, dos mais variados níveis de formação e que desempenham diversas funções profissionais. A informação interessa a todos, ser empático para escrever comunicados desse tipo é muito importante.

2. Qual é a informação principal?

No dia 05/12/2020 (sábado), às 12h, será realizada limpeza e desinfecção da caixa d’água desse condomínio.

Observação — A informação principal é a última que aparece no parágrafo do comunicado.

3. Que informação aparece primeiro?

Vimos que a informação mais importante é a que deve(ria) aparecer primeiro, certo?! Em nosso comunicado, segundo essa lógica, a informação principal é quem comunica, ou seja, NOME, CNPJ e ENDEREÇO da administradora do condomínio. Em seguida, ainda antes da informação sobre a limpeza da caixa d’água, vemos a quem se dirige a mensagem: aos condôminos.

Ou seja, a pessoa que vai ler a informação corre o risco de perder o interesse na leitura sem chegar à parte importante. As chances de essa comunicação falhar são altas.

4. A informação é relevante?

Depois de ler o comunicado algumas vezes, fiquei pensando: no fim, o que estava querendo ser comunicado? Acho que esse ponto não consta no texto.

Quando se faz a limpeza na caixa d’água — e nem vamos entrar aqui na questão de o termo “desinfecção” ser conhecido ou não — , é costume cortar a água do edifício. Creio que este era o grande ponto do comunicado, alertar a quem trabalha no Centro Médico que, naquele sábado, a água seria cortada a partir das 12h. Isso, creio eu, seria um grande problema!

Contudo, será que pessoas menos experientes em assuntos domésticos/de condomínio estariam atentas ao detalhe da falta de água? Ou, simplesmente, pessoas preocupadas, que leram o comunicado com pressa se atentaram a tal fato? Será que a comunicação cumpriu seu papel?

5. Proposta de reescrita do Comunicado

O texto foi escrito, todo, com uma só frase, composta por 50 palavras (considerei os numerais como palavras). Você se lembra de que a recomendação é que a frase tenha entre 20 e 25 palavras, não é?! Então, essa tem o dobro.

Depois de considerar todas as questões que elenquei aqui, pensei na seguinte proposta de comunicado.

Comunicado sobre limpeza de caixa d’água reescrito

Tentei deixar as informações mais importantes do comunicado e preservar alguns dados da empresa que administra o condomínio. Fato é que algumas comunicações tidas como oficiais têm formatos estabelecidos, como o comunicado, mas vale considerarmos se a forma deve se sobrepor à eficiência comunicativa.

Eu estou convencida de que, no mundo da escrita, temos espaço para todo o tipo de linguagem. Como escritores, redatores ou usuários da língua, cabe-nos bom senso e empatia. Se escrevemos para a academia e queremos usar vocabulário rebuscado e sintaxe complexa, ótimo. Se estamos no campo da literatura e nossa linguagem é figurada, aberta a múltipla interpretações, bom também. O importante é nossa audiência, nosso leitor compreender nossa mensagem e aderir ao que escrevemos.

Contudo, se queremos informar o máximo de pessoas por meio do texto, principalmente o escrito, a Linguagem Simples me parece um caminho seguro. Para que ajamos por meio da linguagem, não se pode ter dúvida, hesitação ou incompreensão. Caso o contrário, perde-se tempo, dinheiro e/ou a vida.

Se você também se interessa por Linguagem Simples, além do curso que fiz, a Enap oferece mais um, o Linguagem simples aproxima o governo das pessoas. Como usar? Vale conferir! Os cursos são gratuitos, com certificado ao final.

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Priscilla Santos Motta

Em constante aprendizado. UX Writer, designer conversacional e professora. Encantada por linguagem, tecnologia e chatbots.