Chatbot e Máximas de Grice, uma breve reflexão

Priscilla Santos Motta
6 min readMar 15, 2021

--

a) Quantidade, b) Qualidade, c) Relevância, e d) Modo/ Maneira

Interação é troca, seja protagonizada somente por humanos ou por humanos e chatbot. Um apresenta uma informação a partir da qual o outro reagirá. Esse jogo nada tem de simples; na situação comunicativa, temos o contexto, que envolve sentimentos, cognição, volição o dito e o não dito. Afinal, a comunicação pressupõe o humano, e somos isso tudo e mais um pouco.

Conjunto de pessoas conversando.
Fonte: https://pt.vecteezy.com/arte-vetorial/669653-conjunto-de-pessoas-em-pe-e-conversando

No trabalho com assistentes virtuais (Siri, Alexa e chatbots, por exemplo), alteramos um dos elementos do jogo comunicativo: sai um humano, entra um robô, por assim dizer. E agora? Nós continuamos com nossos sentimentos, e tudo mais, e a parte máquina, não. Como fazer essa interação dar certo? É nesse ponto que a história começa a ficar interessante!

Nessas últimas semanas aprendi como é fascinante e complexa a tarefa de elaborar o fluxo de diálogo de um chatbot. É preciso pensar em cada detalhe da conversação entre o assistente virtual e o usuário. Assim, ao se elaborar o fluxo conversacional — e, sobretudo, ao se fazer a curadoria — é importante considerar as Máximas de Grice, lição da Linguística que o artigo de Reyes Reina & Cruz destacou.

Uma conversa entre o bot e o usuário precisa ser fluida, quanto menos robótica, melhor. Temos alguns tipos de chatbot, e os mais sofisticados contam com NLU e NLP. Ok, mas o que seria isso? E como assim tipos de bot? Com base no que aprendemos no Capacita MDT, do qual tratei neste texto, vimos o seguinte.

Bot de fluxo

Neles os assistentes virtuais guiam toda a conversa. A interação acontece por meio de inputs como botões ou digitação de dados bem pontuais, como nome. Nesse caso, não se usa a inteligência artificial conversacional.

A seguir temos um exemplo de bot de fluxo, em que o usuário tem a opção de selecionar as ações por meio de um Menu. Este foi o primeiro bot que desenvolvi e todo o percurso do usuário foi desenhado em um fluxo conversacional com poucas possibilidades. Em caso de resposta positiva a determinada pergunta, haveria certa ação, em caso de negativa outra. E só.

Chatobot para loja feminina fictícia

Bot com inteligência artificial conversacional

A inteligência artificial conversacional faz com que o robô receba uma mensagem, compreenda-a e a responda, em segundos. Para isso é necessário treinar o robô por meio de dados e a própria interação. Nesse caso, o usuário digitará, ou falará, uma mensagem e a máquina responderá com base nas informações que detém.

Em assistentes virtuais com inteligência artificial virtual, temos o processamento da linguagem natural (NLP). E, para que o bot se comunique com o usuário de forma assertiva, cadastramos intenções (verbos no infinitivo que representam a ação do usuário) e as entidades (substantivos que fazem parte da intenção).

Por exemplo, o usuário tem a intenção de conhecer os produtos que a loja tem para vender. A intenção (ação, verbo no infinitivo) é uma só, mas os produtos (substantivos) podem ser, e geralmente são, muitos. Assim, cadastramos o seguinte, para treinar o bot.

Intenção: #conhecer_produtos

entidade: @produtos

tipos —> camisas, saias, sapatos

O modelo a seguir é um exemplo de bot com inteligência artificial conversacional. Nele o usuário tem a opção de digitar sobre o que deseja se informar, ele tem maior autonomia. E o bot também, o que pode causar desentendimentos, como o usuários perguntar sobre sapatos e o bot responder especificamente sobre tênis. E, para isso, a curadoria é etapa fundamental.

Bot fictício

Bot híbrido — bot + inteligência artificial

É possível, ainda, juntar os dois tipos de bot em um só. Essa foi a estratégia usada para a criação do meu primeiro bot com inteligência artificial conversacional, a Dora. Ela tem a parte da inteligência artificial, contudo, quando se escreve “Menu”, o usuário volta para o fluxo, ou seja, tem a opção de navegar por meio de botões, com opções mais assertivas.

De volta às Máximas de Grice

Depois desse passeio pelos bots, voltemos ao Grice e suas Máximas. O processo de elaboração dos diálogos da Dora foi uma aula prática de Análise da Conversação.

Ative-me sobre a questão de alternâncias e passagem de turnos. Fiquei bastante preocupada em fechar diálogos com expressões que passassem o turno para o usuário, como “e você, o que gostaria de conhecer agora?”. Isso, para não dar a impressão de que o papo morreu.

Nesse contexto, de pensar o diálogo, é interessante ver como as Máximas de Grice têm tudo a ver com a Linguagem Simples e com a Experiência do Usuário. Afinal, tudo é sobre deixar a comunicação mais eficiente.

As Máximas são para a fala e se adaptam completamente para o contexto escrito em que estamos atuando. Vamos a elas.

a) Quantidade — “Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto necessário.”

Sobrecarregar o usuário de informação não proporciona uma boa experiência. Nos chatbots, temos textos escritos, e, sabemos, leituras longas não são atrativas. Objetividade é tudo.

b) Qualidade — “Não diga o que você acredita ser falso; não diga senão aquilo para o que você possa fornecer evidência adequada.”

Em qualquer experiência, a verdade é primordial para o sucesso. Se você recebe uma informação sobre serviço ou preço que não se sustenta quando o negócio vai ser efetivado, lá se vai a reputação da empresa.

c) Relevância ou Relação — “Seja relevante.”

As palavras e as frases usadas na interação devem ser úteis para o objetivo da experiência. Assim, o que for supérfluo pode ser retirado. Para cumprir essa Máxima, penso que a pesquisa com o usuário é que dará as melhores respostas.

d) Modo ou Maneira — “Seja claro: evite obscuridade de expressão, evite ambiguidades, seja breve, seja ordenado.”

Hierarquia da informação, seleção vocabular alinhada ao tom de voz e aos objetivos da comunicação, pesquisa com os usuários e curadoria são alguns passos que contribuem para a clareza. Em uma experiência, a clareza é fundamental para o sucesso, com menor esforço por parte do usuário. Em um chatbot isso é fundamental.

Para saber um pouco mais sobre Máximas de Grice, fica a recomendação de um artigo. Aqui as Máximas estão aplicadas em um contexto diferente, a política. Vale a leitura.

O tempo todo, a imersão no universo dos chatbots tem sido um reencontro com a Linguística. Creio que essa essa é a razão do encantamento. Isso me fez perceber que estudar a conversa é fascinante, entender como os humanos processam a interação, perceber como Máximas de Grice, Atos de Fala, e outro, acontecem no dia a dia é incrível.

https://br.freepik.com/vetores-premium/bot-chat-dizer-oi-robos-programados-para-conversar-com-clientes-online_5974180.htm

Mas nada tem se compadado a ver o diálogo nascer, aprimorá-lo, pensar na melhor palavra para aquele usuário, na necessidade do respeito ou não da norma culta para determinado fim (também com base no usuário)… E, principalmente, que o dálogo se processará entre humano e máquina. Que venham outros chatbots.

--

--

Priscilla Santos Motta

Em constante aprendizado. UX Writer, designer conversacional e professora. Encantada por linguagem, tecnologia e chatbots.